Desertos monetários: onde o dinheiro não tem residência
Segundo um relatório do Banco de Portugal, em dez anos, o país ficou sem 2100 multibancos. Em 2014 existiam em Portugal 15 800 terminais, hoje em dia esse número fica-se pelos 13 700.
Um “panorama preocupante”, diz Jorge Veloso, Presidente da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), que acrescenta que esta “é uma situação que não pode continuar em pleno século XXI” e que, por isso, “tem de haver por parte do Governo e do banco público alguma melhoria destas condições”.
Apesar da expressiva percentagem de freguesias sem cobertura, o relatório do Banco de Portugal descreve uma realidade de cobertura quase integral, pelo facto de nessas localidades habitarem apenas 7% da população total. Há no entanto casos particularmente sensíveis, em que os níveis de população sem acesso é mais grave.
Em Bragança, por exemplo, 87% do total de freguesias não tem qualquer ponto de acesso a numerário, o que corresponde a 42% da população do distrito. Aqui, para mais de 5.400 pessoas, o ponto de acesso mais próximo encontra-se a uma distância superior a 10 quilómetros. Em alguns casos, a melhor solução acaba mesmo por localizar-se em Espanha.
Vila Real, apesar de ter menos freguesias sem cobertura (79%), tem 43% do total de residentes nesta situação. Destaca-se ainda a Guarda, com um nível de cobertura que não chega a 37% da população.
Mais de 40% das freguesias não têm qualquer caixa automático e, em muitos destes locais, o mais próximo situa-se a vários quilómetros de distância. O problema, mais uma vez, intensifica-se no interior do país, obrigando os residentes a deslocarem-se a localidades vizinhas para terem acesso a numerário.
Viver com a adversidade
No extremo nordeste português, Miranda do Douro tem, no total, nove equipamentos, que servem apenas três freguesias. Segundo a autarquia, a sede de concelho tem sete pontos de acesso, havendo um na freguesia de Sendim e outro em Palaçoulo. Nas restantes dez freguesias não há qualquer caixa multibanco.
Ainda assim, a presidente da Câmara de Miranda do Douro, acredita que, uma vez que este serviço nunca esteve disponível nestas zonas - ou seja, não se trata de um direito que foi retirado -, a prioridade não deve estar na criação de novos pontos de acesso. Helena Barril prefere destacar a necessidade de se apostar no transporte das pessoas das aldeias mais remotas ao centro da vila. Além disso, explica ao Conta Lá, os vendedores ambulantes que visitam as freguesias sem cobertura “já estão dotados de mecanismos de multibanco”.
Também na sede do distrito de Bragança, a autarca vê a realidade como “algo que resulta da evolução dos tempos e do avanço das tecnologias. Há o acesso a levantamento em numerário direto em vários pontos da cidade, na vila de Izeda e nas freguesias rurais maiores. Na esmagadora maioria das aldeias não há”, detalha Isabel Ferreira. “Mas há um transporte facilitado para as pessoas se deslocarem sobretudo à cidade, onde aproveitam também para recorrer a outros serviços públicos, nomeadamente de saúde”, explica a presidente da Câmara de Bragança ao Conta Lá.
Há cerca de quatro anos que a ANAFRE, junto do Governo, do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Depósitos, tenta a instalação de terminais nas freguesias, sobretudo as do interior desertificado, mas até hoje com muito poucos resultados práticos.
Diz-nos Jorge Veloso que, no início do processo de diálogo, conseguiram “um acordo para muitas freguesias”. Mais tarde, junto do Ministério da Coesão Territorial, “ficou contratualizado que o BP e a CGD iam colocar 200 caixas multibanco. "Entretanto o Governo PS caiu e, com este Governo (AD), só tivemos uma reunião sem qualquer consequência, a não ser um projeto piloto de colocar nas juntas de freguesia um terminal de pagamento que podia servir também para fazer levantamentos, desde que as freguesias tivessem fundo de maneio para tal, mas, e mais uma vez, sem nenhum avanço até hoje", explica o responsável.
Fecharam 48% dos balcões que estavam abertos ao público em 2014
Um cliente do Millennium BCP de Ponte de Sor tem de fazer 72 quilómetros para ir e voltar à sucursal bancária mais próxima. E este é apenas um exemplo de uma realidade com grande expressão no país.
De acordo com um estudo da Deco Proteste, o número de agências (considerando os cinco principais bancos nacionais, que representam mais de 80% do mercado bancário – BPI, Caixa Geral de Depósitos, Millennium BCP, Novobanco e Santander), baixou em 1700 entre 2014 e o final do ano passado. Ou seja, em apenas dez anos fecharam 48% dos balcões que estavam abertos ao público.
É no interior do país que mais se sente a falta de dependências bancárias, com os distritos de Portalegre e Bragança a registarem o menor número de sucursais. No polo oposto estão os grandes centros urbanos como Lisboa e Porto onde, a título de exemplo, as sucursais do Millennium BCP, o maior banco privado português, representam 45% do total dos balcões a nível nacional. Já as agências da Caixa Geral de Depósitos nos mesmos distritos representam, praticamente, 30% do total das agências do banco em todo o país.
Para agravar o cenário está o aumento de custos das operações ao balcão. Ainda segundo o estudo da Deco, um levantamento ao balcão tem um custo médio de 7 euros, podendo chegar aos 15,60 euros no BBVA. Uma transferência interbancária custa, em média, 7,35 euros ao balcão.
Ora, um levantamento e duas transferências interbancárias por mês, ao balcão, custam uma média de 261 euros por ano. Ou seja, metade do valor mensal do indexante dos apoios sociais (IAS), em 2025, que é de 522,50 euros. Via homebanking ou caixas automáticas, este custo desce para 21,60 euros.
Tentámos obter esclarecimentos sobre eventuais medidas em curso para mitigar esta situação junto do Ministério da Economia e Coesão Territorial, mas sem qualquer sucesso.