Mais de 40% das freguesias do país sem multibanco: dificuldades no interior levam concelhos a apostar no transporte
Mais de 40% da população do distrito de Bragança vive em freguesias que não têm qualquer multibanco. No concelho de Miranda do Douro, por exemplo, em 13 freguesias há 10 que não têm qualquer terminal. Dados do Banco de Portugal revelam que mais de 40% das freguesias do país não têm qualquer caixa automática e, em muitos destes locais, o mais próximo situa-se a vários quilómetros de distância.
Jorge Veloso, presidente da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), afirma ao Conta Lá que "o panorama é preocupante" e que “é uma situação que não pode continuar em pleno século XXI”. “Tem de haver por parte do Governo e do banco público alguma melhoria destas condições”, acrescenta.
Apesar da expressiva percentagem de freguesias do território sem qualquer multicanco, o Banco de Portugal descreve uma realidade de cobertura quase integral, pelo facto de nessas localidades habitar apenas 7% da população total.
Mas voltemos ao caso de Bragança: neste distrito, 87% do total de freguesias não tem qualquer ponto de acesso a numerário, o que corresponde a 42% da população do distrito. Aqui, para mais de 5.400 pessoas, o ponto de acesso mais próximo encontra-se a uma distância superior a 10 quilómetros. Em alguns casos, a melhor solução acaba mesmo por localizar-se em Espanha.
A presidente da Câmara, Isabel Ferreira, considera que esta situação “resulta da evolução dos tempos e do avanço das tecnologias". "Há o acesso a levantamento em numerário direto em vários pontos da cidade, na vila de Izeda e nas freguesias rurais maiores. Na esmagadora maioria das aldeias não há”, detalha. “Mas há um transporte facilitado para as pessoas se deslocarem sobretudo à cidade, onde aproveitam também para recorrer a outros serviços públicos, nomeadamente de saúde”, explica a autarca Conta Lá.
No distrito de Bragança, o município de Miranda do Douro, com 6.298 habitantes, tem, no total, nove equipamentos, mas sete estão concentrados na sede de concelho, um está na freguesia de Sendim e outro em Palaçoulo. Há 10 freguesias que não têm qualquer terminal.
A presidente da Câmara, Helena Barril, explica ao Conta Lá que o serviço nunca esteve disponível nestas zonas, ou seja, não se trata de um direito que foi retirado. Admite, no entanto, que a situação traz desafios, sobretudo aos residentes das aldeias mais remotas. A autarca também defende que a prioridade deve ser o transporte desses habitantes ao centro da vila. Os próprios vendedores ambulantes que visitam as freguesias começam a estar “dotados de mecanismos de multibanco”.
ANAFRE tenta instalação, mas sem sucesso
Além de Bragança, há outros casos críticos: o distrito de Vila Real, onde 79% das freguesias não tem multibanco, o que corresponde a 43% do total de residentes nesta situação, e a Guarda, com um nível de cobertura que não chega a 37% da população.
Há cerca de quatro anos que a ANAFRE, junto do Governo, do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Depósitos, tenta a instalação de terminais nas freguesias, sobretudo as do interior desertificado, mas até hoje com muito poucos resultados práticos.
Diz-nos Jorge Veloso que, no início do processo de diálogo, conseguiram “um acordo para muitas freguesias”. Mais tarde, junto do Ministério da Coesão Territorial, “ficou contratualizado que o BP e a CGD iam colocar 200 caixas multibanco. "Entretanto o Governo PS caiu e, com este Governo (AD), só tivemos uma reunião sem qualquer consequência, a não ser um projeto piloto de colocar nas juntas de freguesia um terminal de pagamento que podia servir também para fazer levantamentos, desde que as freguesias tivessem fundo de maneio para tal, mas, e mais uma vez, sem nenhum avanço até hoje", explica o responsável.
Dados do Banco de Portugal revelam que, em dez anos, o país ficou sem 2.100 multibancos. Em 2014 existiam 15.800 terminais, atualmente esse número fica-se pelos 13.700.
Fecharam 48% dos balcões que estavam abertos ao público em 2014
O número de agências (considerando os cinco principais bancos nacionais, que representam mais de 80% do mercado bancário – BPI, Caixa Geral de Depósitos, Millennium BCP, Novobanco e Santander), baixou em 1.700 entre 2014 e o final do ano passado, de acordo com um estudo da Deco Proteste. Ou seja, em apenas dez anos fecharam 48% dos balcões que estavam abertos ao público.
Um cliente do Millennium BCP de Ponte de Sor tem de fazer 72 quilómetros para ir e voltar à sucursal bancária mais próxima. E este é apenas um exemplo de uma realidade com grande expressão no país.
É no interior do país que mais se sente a falta de dependências bancárias, com os distritos de Portalegre e Bragança a registarem o menor número de sucursais. No polo oposto estão os grandes centros urbanos como Lisboa e Porto onde, a título de exemplo, as sucursais do Millennium BCP, o maior banco privado português, representam 45% do total dos balcões a nível nacional. Já as agências da Caixa Geral de Depósitos nos mesmos distritos representam, praticamente, 30% do total das agências do banco em todo o país.
Para agravar o cenário está o aumento de custos das operações ao balcão. Ainda segundo o estudo da Deco, um levantamento ao balcão tem um custo médio de 7 euros, podendo chegar aos 15,60 euros no BBVA. Uma transferência interbancária custa, em média, 7,35 euros ao balcão.
Ora, um levantamento e duas transferências interbancárias por mês, ao balcão, custam uma média de 261 euros por ano. Ou seja, metade do valor mensal do indexante dos apoios sociais (IAS), em 2025, que é de 522,50 euros. Via homebanking ou caixas automáticas, este custo desce para 21,60 euros.
Tentámos obter esclarecimentos sobre eventuais medidas em curso para mitigar esta situação junto do Ministério da Economia e Coesão Territorial, mas sem qualquer sucesso.