Trabalhadores do sexo continuam à margem da proteção legal e vivem violência "invisível"
A violência contra trabalhadores do sexo continua a ser uma realidade pouco visível, mas persistente. No Dia Internacional contra a Violência sobre os Trabalhadores do Sexo, assinalado a 17 de dezembro, a psicóloga e investigadora Alexandra Oliveira que, há pelo menos duas décadas, estuda esta realidade em Portugal, traça um retrato marcado pela precariedade, estigma e falta de proteção legal.
Embora não esteja atualmente no terreno, a investigadora reconhece que o aumento de pessoas imigrantes no trabalho sexual não é um fenómeno recente. “A maioria das pessoas que exercem trabalho sexual em Portugal são hoje imigrantes, sobretudo mulheres brasileiras”, explica. Alexandra Oliveira acrescenta, ainda, que a crise económica e o elevado custo de vida têm levado mais mulheres e homens a recorrer a esta atividade como forma de sobrevivência.
E a junho deste ano, o Movimento de Trabalhadores do Sexo dava conta deste mesmo problema. Por meio de uma carta aberta, o movimento sublinhava que a situação dos imigrantes em Portugal atingiu um ponto crítico, marcada por processos burocráticos morosos e uma resposta desproporcional dos serviços sociais face à realidade, o que empurrou muitas pessoas para a área.
Faltam estatísticas por não ser considerado profissão
A violência, sobretudo contra quem exerce trabalho sexual em contexto de rua, continua a ser uma das faces mais duras desta realidade. “A investigação mostra níveis elevados de violência, incluindo casos extremos, como homicídios que, muitas vezes, nem sequer são identificados nas estatísticas como crimes contra trabalhadores do sexo”, afirma Alexandra Oliveira. A invisibilidade da atividade e a ausência de reconhecimento profissional dificultam a recolha de dados fiáveis e o acesso à proteção.
Para a investigadora, o estigma social está na base de grande parte desta violência. “O estigma desumaniza e acaba por legitimar, aos olhos de quem agride, a violência exercida sobre estas pessoas”, sublinha.
No plano legal, Alexandra Oliveira defende a descriminalização do trabalho sexual, distinguindo-a da regulamentação ou da criminalização dos clientes. Segundo a investigadora, modelos como o chamado “modelo nórdico”, adotado em países como a Suécia e a França, não erradicaram o trabalho sexual e, consequentemente, agravaram a vulnerabilidade das pessoas que o exercem. Pois, aos olhos da especialista, estas leis empurram os trabalhadores do sexo para uma maior clandestinidade e, por conseguinte, para contextos mais inseguros, aumentando o preconceito e o risco de violência.
Sendo que há uma grande preponderância de mulheres nesta área, o debate estende-se, inevitavelmente, ao movimento feminista e divide opiniões. Se por um lado há quem considere o trabalho sexual uma forma inegável de exploração, por outro lado, há quem defenda o direito à autodeterminação e à proteção laboral. Atendendo à complexidade do tema, para Alexandra Oliveira, qualquer mudança legislativa deve resultar de um amplo debate, envolvendo quem exerce a atividade, profissionais de saúde, justiça e investigadores.
No dia em que se assinala a luta contra a violência sobre trabalhadores do sexo, a investigadora deixa uma mensagem clara: "sem combater o estigma e sem políticas centradas nos direitos humanos, a violência continuará a fazer parte do quotidiano de um grupo que permanece à margem da proteção legal".